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O encontro consigo mesmo durante a pandemia


Uma pandemia, com o cenário catastrófico que se segue, nos revela o que há de melhor e pior nas pessoas. Às vezes na mesma pessoa, visto que ninguém é 100% bom e nem 100% mau.

Diversas obras de ficção exploram muito bem esses conflitos, percorrendo as diversas camadas dos personagens. Mas em lugar de listar aqui boas e más notícias nestes tempos difíceis, ou listar obras ficcionais temáticas e inspiradoras, quero abordar aqui um aspecto poucas vezes mencionado: o isolamento e o encontro consigo mesmo. 


Gatos na quarentena


Um dos pontos de sofrimento no isolamento desta quarentena é estar sozinho, ouvindo a sua voz mental. Sem ter onde se esconder e com poucas opções para se distrair. O dia todo sem ter como mentir para si mesmo. Para muitos habitantes das redes sociais, se enxergar sem fingimentos é extremamente doloroso.

Por isso é tão difícil meditar, por exemplo. Mesmo as pessoas que não meditam, estando isoladas, acabam ficando em uma posição incomodamente próxima de uma meditação, quando começam a perceber o barulho de seus pensamentos.

A grande maioria das pessoas vive no entorpecimento da vida cotidiana, se escondendo atrás de trabalho, bebidas, drogas, novelas, filmes, seriados, redes sociais... As distrações são infinitas.

E também comprando coisas para preencher a vida. Muitas coisas. Postando fotos e textos que os coloquem em uma posição que verdadeiramente não ocupam. Uma vida toda é artificialmente construída, sem parar para um mergulho interno, sem uma pausa para analisar o próprio fluxo de pensamentos.

E quando paramos e olhamos para a nossa mente, o nosso interior, podemos ver que os objetivos traçados já não parecem tão importantes como julgávamos. Ou como queríamos que fossem.

As pessoas não estão preparadas para enfrentar uma pandemia. E não falo da ciência médica nem de estoques de alimentos. Falo de as mentes não estarem preparadas para uma pausa, para um encontro consigo mesmo. Com poucas distrações e sem fingir para si mesmo.

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