Pular para o conteúdo principal

Arroz, feijão e reflexão


Eu lembro que quando era criança, mais de uma vez, ouvi uma determinada pessoa adulta falar (em um tom arrogante): “Sem arroz até dá pra passar, mas sem feijão, não”, referindo-se ao almoço.

Eu achava essa afirmação descabida. Na verdade, eu tinha uma teoria (sempre gostei de elaborar teorias) que era justamente o oposto: as pessoas até almoçavam sem feijão, mas nunca sem arroz. Este último é que nunca faltava. Até acho que cheguei a compartilhar essa teoria com algumas pessoas na época, mas ninguém deu bola. Já nos anos 90, ninguém ligava para minhas teorias.

Inclusive, essa mesma pessoa da frase lá do início, nunca tinha feito um almoço sem arroz (que eu tenha presenciado). Mas o feijão faltar não era incomum no almoço dela.

Imagem: Pixabay


Nunca entendi o objetivo daquela afirmação. Será que aquela pessoa gostava mais de feijão do que de arroz? Será que ela nunca percebeu que era o arroz que nunca faltava em suas refeições? Ou era apenas uma frase irrefletida, dita para não ficar em silêncio? Não sei a resposta para estes questionamentos e realmente não me interesso.

Mas foi por essa época e por fatos como o exposto, que aprendi algo empiricamente: analisar (e julgar, se necessário) as pessoas com base no que elas fazem e não no que elas falam.

Isto eu aplico até hoje, sobretudo nestes nossos tempos de redes sociais, onde importa mais o parecer ser do que realmente ser. Onde vale mais postar que fez do que realmente fazer.

Aqueles simples almoços de arroz com feijão (às vezes só o arroz mesmo) me ensinaram a analisar cada postagem que vejo hoje em dia, me indagando, automaticamente, os motivos de cada postagem.

Será que aquela postagem não era um “sem arroz até da pra passar, mas sem feijão, não”? Será que não é uma foto apenas para não ficar “em silêncio” no Instagram? Não sei e novamente, não quero saber, mas não posso deixar de me indagar.

Apenas reflito e questiono, ad infinitum, as questões do cotidiano.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O agarrar não tem fim. O soltar sim.

 "(...) a felicidade é apenas uma forma refinada de sofrimento. O sofrimento em si é a forma grosseira. Você pode compará-los a uma cobra. A cabeça da cobra é a infelicidade, a cauda da cobra é a felicidade (...) mesmo se você segurar a cauda, ela irá se voltar e mordê-lo do mesmo jeito, porque ambos, a cabeça e a cauda, pertencem à mesma cobra." - Ajahn Chah, monge budista  da Tradição das Florestas do budismo Theravada. Vi uma postagem em rede social de uma estampa de camiseta. A imagem da estampa era uma cobra mordendo o próprio rabo, com a seguinte citação: "para cada fim, um novo ciclo". A posição da cobra formava o símbolo do infinito. Não reproduzo a imagem aqui por questões de direitos autorais e por não querer causar nenhum tipo de perturbação ao autor. Muito provavelmente a pessoa que criou a estampa, pensou na tristeza dos finais de ciclo e na esperança dos inícios, das novidades.  Algo como:  "Que pena, acabou :(".  "AIQSHOW, um novo ciclo...

Eu fui, mas eu voltei...

Por que escrever?  Considero essa pergunta tão relevante que até criei uma aba só para ela, aqui no blog. Tem um texto inteiro dedicado a respondê-la nessa aba? Não. Apenas um parágrafo — que, para ser honesto, não responde satisfatoriamente ao questionamento. "Simplesmente escrevo, sem maiores preocupações" , foi o que escrevi lá. Mas o que eu não disse é que também acredito que temos responsabilidade sobre o que falamos e escrevemos. Se nossas palavras magoam ou causam divisão, por exemplo, talvez precisem ser revistas. Ou, quem sabe, silenciadas. Se não tenho nada de relevante a comunicar, simplesmente não escrevo. Isto é algo que eu gostaria de treinar também para a fala — eu falo demais, muitas vezes sem necessidade. Nesses últimos meses, aconteceram várias coisas dignas de nota e que renderiam boas crônicas (a maioria eu já esqueci porque não anotei). Mas antes de escrever, sempre vinham algumas perguntas: O que eu realmente quero com isso?  É só para alimenta...

Um passeio comum

" A mente que não é treinada, é estúpida. As sensações surgem e a ludibriam com a alegria ou a tristeza, felicidade ou sofrimento..." (Ajahn Chah, monge budista da tradição Theravada) Cruzei a ponte em direção a Paso de Los Libres. Poucos quilômetros separam minha casa da Argentina, mas os raios de Sol entrando pela janela fizeram parecer uma viagem de carro para longe. Desta vez, no carona. Eu não poderia dirigir com a mão quebrada. O posto de gasolina na beira da estrada me transportou para um filme qualquer no interior do México (ou do lado norte-americano da fronteira), com aquele ar empoeirado. Minha mente fugiu do momento presente. Ir até a cidade vizinha é algo bastante simples, basta atravessar a ponte. É a beleza do trivial, do comum. Sonhamos com lugares paradisíacos e fechamos os olhos para a beleza do corriqueiro. Assim como também nos esquecemos do momento presente, sempre remoendo o passado ou fantasiando sobre o futuro. Segui para as compras. Nada de extraordin...