Eu tenho alguns hábitos de observação, que desenvolvo desde criança. Um deles é tentar elaborar um "perfil" de algumas pessoas com as quais tive contato, tentando imaginar uma história pessoal com base no que considerei sobre ela. Mais ou menos como o Mário Prata examinando os indivíduos presentes na sala de espera do analista, em uma crônica que ele escreveu lá na década de 90.
Nas férias, por ter mais tempo disponível, nada mais natural do que aumentar minha dedicação a essas contemplações.
Em uma viagem para Florianópolis (SC), em 2019, fiquei em um camping na Lagoa da Conceição. Lá eu vi, na cozinha comunitária do estabelecimento, um senhor aparentando uns 50 anos. Ele estava sozinho ali, mexendo em seu notebook. Um fedor de maconha se espalhava no ambiente. Ele me cumprimentou com bastante simpatia e mantinha sempre um sorriso no rosto.
Mas apesar de simpático, ele tinha algo de nostálgico, talvez até uma tristeza, o que me despertou a curiosidade.
Lagoa da Conceição, Fevereiro de 2021 |
Saí rapidamente do local, por causa do cheiro desagradável. Pensei rapidamente em algumas teorias sobre aquela pessoa, mas o rápido contato não me permitiu muita coisa.
No dia seguinte, encontrei-o novamente na cozinha. Ele estava mais uma vez desacompanhado, agora sem odores repugnantes. Ele escutava a música "Poema", cantada pelo Ney Matogrosso. Me cumprimentou com a mesma simpatia do dia anterior e seguiu operando o seu computador. Porém agora apresentava um ar quase melancólico, apesar do permanente sorriso nos lábios.
Eu imaginei então que aquele senhor poderia ser uma dessas pessoas que, dizem por aí, são "sozinhas no mundo". Teve um casamento de poucos anos, quando mais jovem. Não teve filhos. Nunca mais casou.
A mãe, que era a última da família, morreu recentemente, deixando o apartamento e algum dinheiro de herança para ele. Não foi muita coisa, apenas o suficiente para uma vida sem luxos.
Lagoa da Conceição, Fevereiro de 2019 |
Talvez ele ainda tenha um ou outro primo, com os quais não conversa há muitos anos.
Está sem emprego fixo há bastante tempo, pois cuidava da mãe doente e a aposentadoria dela bastava para os dois.
E aquele ar de nostalgia deve ser a lembrança das férias em família, na presença de todos aqueles que já se foram.
Mas ele ainda permanece com suas lembranças, embaladas por músicas que o remetem a outros tempos. E quem sabe, até compondo algum poema.
Não sei se acertei alguma coisa no perfil que elaborei. Apenas troquei cumprimentos com ele. Talvez na próxima viagem eu o encontre em algum camping por aí e descubra se estou certo. Entretanto, sempre que volto na Lagoa, ainda consigo perceber aquela nostalgia no ar, embalada pelos acordes inaudíveis de "Poema".
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