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Mostrando postagens de 2024

Um passeio comum

" A mente que não é treinada, é estúpida. As sensações surgem e a ludibriam com a alegria ou a tristeza, felicidade ou sofrimento..." (Ajahn Chah, monge budista da tradição Theravada) Cruzei a ponte em direção a Paso de Los Libres. Poucos quilômetros separam minha casa da Argentina, mas os raios de Sol entrando pela janela fizeram parecer uma viagem de carro para longe. Desta vez, no carona. Eu não poderia dirigir com a mão quebrada. O posto de gasolina na beira da estrada me transportou para um filme qualquer no interior do México (ou do lado norte-americano da fronteira), com aquele ar empoeirado. Minha mente fugiu do momento presente. Ir até a cidade vizinha é algo bastante simples, basta atravessar a ponte. É a beleza do trivial, do comum. Sonhamos com lugares paradisíacos e fechamos os olhos para a beleza do corriqueiro. Assim como também nos esquecemos do momento presente, sempre remoendo o passado ou fantasiando sobre o futuro. Segui para as compras. Nada de extraordin

Salto com Vara

Dia desses, assistindo ao Salto com Vara nas olimpíadas, lembrei de uma vez, quando criança, que eu estava assistindo uma matéria no Jornal Nacional, noticiando que uma atleta tinha batido o recorde mundial da modalidade, ou algo assim.  Na época, eu não entendia como funcionava esse esporte. Pensava que o salto era medido por algum dispositivo lá no alto, que marcava a altura atingida pelos atletas quando eles passavam por ali.   Na matéria, apareceu a atleta pulando e comemorando com um grito, ainda no ar. Comentei então com a pessoa adulta que estava na sala, algo tipo "mas como ela já sabia que tinha quebrado o recorde?".  Esta apenas afirmou, do alto de sua pretensa sabedoria: "O salto foi perfeito!", como se a graciosidade do pulo fosse o principal elemento daquele desporto.  Percebi então que aquela pessoa sabia menos ainda do que eu sobre a modalidade, mas pelo seu total desprezo pela minha condição de criança e se julgando superior por ter nascido muitos an

O Incidente Paradouro

Certa feita, acredito que no ano de 2006, eu estava indo de Porto Alegre para Uruguaiana de ônibus. Na época, a parada para o lanchinho era em São Gabriel, no restaurante Paradouro. Desci do ônibus para comprar um lanche. Rapidamente escolho os produtos e vou para o caixa (sempre tive medo de perder o ônibus). Quando eu estava pagando, vejo que o Planalto (empresa de ônibus que fazia essa linha) começou a sair. Entrego o dinheiro e saio correndo, gritando para o motorista. Ele interrompe a manobra e eu entro esbaforido, me dirigindo ao meu assento com dificuldade, devido ao balanço do ônibus que voltara a manobrar.  Quando chego ao meu banco, tem alguém lá. Penso: O QUE ESSE CARA TÁ FAZENDO NO MEU LUGAR? Então percebi que eu tinha errado de ônibus. Peço para o motorista parar e desço rapidamente, em meio às vaias e risos do público. Quando piso em terra firme, enxergo o meu Planalto saindo. Corro desesperadamente mais uma vez, gritando para o motorista parar. Ele interrompe a manobra e

Uma Pequena Biografia de um Desconhecido

Já escrevi outra vez que tenho alguns hábitos de observação. Um deles é tentar elaborar um "perfil" (às vezes até uma biografia) de algumas pessoas com as quais tive contato. Dia desses, aconteceu algo um pouco diferente: a própria pessoa contou a história dela para um outro ouvinte, enquanto eles aguardavam atendimento em um local. A história fluiu em 2 ou 3 minutos, sem interrupções do interlocutor, que por mais incrível que pareça, escutava tudo com muita atenção. Não tive a menor chance de tentar imaginar algo. Tudo nos foi entregue pelo biografado. Era um senhor de uma certa idade. Trabalhou em um cargo público por 6 anos, sendo aposentado por motivos de saúde. Ele então arrumou outra atividade profissional. Pelo que entendi, o novo serviço era de caminhoneiro, pois ele precisava viajar todas as semanas e tomava "rebite" para ficar acordado. Deste hábito, ele acabou migrando para a cocaína. Depois foi para o crack. Hoje ele se trata para dependência química e p

A Viagem Começou com uma Veia Caindo no Chão

A viagem começou com uma veia caindo no chão. Estava frio. Minha mão quebrada parece que gelava mais o meu corpo. Quando eu vi, ela tinha caído de costas, escorregou ao tentar embarcar no ônibus. É mais devagar escrever com uma mão. Os pensamentos escapam e outros aparecem antes que eu consiga escrever. Ajudaram a senhora a levantar. "Mais uma fraturada no Ônibus?" pensei comigo. Não, está tudo bem com ela.  Eu não me preocupo com o leitor. Sou muito egocêntrico. O anseio de escrever me faz despejar pensamentos desconexos no papel, atropelando assuntos e fazendo links que se entrelaçam, mas demorariam demais para serem explicados. Exatamente como eu falo. Informações imprecisas e desorganizadas. Preciso escrever mais. Quanto mais eu escrevo, menos preciso falar. Eu falo demais. Me acomodei no ônibus. Uma outra veia fala sem parar. Como se fosse a minha mente proliferando pensamentos. Começo a minha leitura tranquila. Silêncio, finalmente. Viajar de noite também é bom. Meditaç